Livro I - As Sementes do Conflito: Prólogo, História dos Mondos

Pearlgream é um mundo encantado. Ou melhor, fora outrora. Outrora quando o Mal não estava necessariamente implementado no coração das criaturas dos mondos. Agora tem outro nome, dizem. Chamam-lhe Mondo ad Imaginem… Conspurcaram a nossa terra com o sangue de lodo que pinga das suas artérias corruptas. Malditos demoks…

Quando nada existia, a divindade primordial, Godrol, criou o mondo como o conhecemos. O nosso mundo. A mesma formação geográfica, os mesmos mares, as mesmas montanhas, as mesmas planícies, as mesmas florestas, os mesmos ventos… Ai o vento. Tão bom quando nós, angoks, filhos puros do próprio Godrol “Todo-poderoso” sentíamos o vento nas nossas caras. Mas o ar está infestado pela respiração nauseante dos malditos demoks… Aquando da criação de Pearlgream, Godrol, nosso afortunoso Pai, teve em consideração que era necessário haver habitantes para preencher a bela paisagem criada por Ele. Foi então que nos criou a nós, angoks, seres puros, bondosos e belos, repletos de virtuosidade e compaixão. Fomos criados como imortais quanto à idade, mas nunca quanto ao ferimento do inimigo. Todos nós somos capazes de viver milhões de anos, no entanto uma lâmina em sítio incerto poderá ser o nosso fim. Cansado da perfeição dos angoks, nosso Pai criou seres imperfeitos, os seres humanos. Divertia-lhe ver alguém a lutar pela sua felicidade. E rapidamente o Homem assim o fez, criando tristeza e ruína para criar a sua própria alegria. Imperfeito, como mencionamos… Ah, mas Godrol apaixonou-se demasiadamente por eles… Exigia-lhes que o respeitassem enquanto na sombra conspiravam sobre a sua existência pois, ao contrário de nós que vivemos com Ele, nosso Pai nunca apareceu a um humano. Eles, os imperfeitos ou como mais tarde lhes viemos a chamar, paixão do criador, duvidavam de tudo. Blasfemos eram eles! E ainda o são… Instalaram-se gradualmente nas colinas frias de Groth e nos desertos áridos do sul de Pearlgream. E mesmo dentro deles criaram-se várias animosidades. Os humanos de Groth acreditavam que Godrol era sem dúvida omnipresente, omnisciente e omnipotente enquanto os bárbaros dos Desertos Amarelos duvidavam entre classificar nosso poderoso Pai como “o criador” ou “uma criação”.

Godrol reparou então que os seres humanos, sua apaixonante criação, não conseguiam viver num clima de paz. Mas as guerras constantes pareciam fazer a sua alegria. Adorava observar soldados a serem atropelados por cavalaria pesada, castelos a serem derrubados por enormes catapultas e muita mais barbárie que o Homem conseguiu criar. Estava então decidido que, uma vez que nós, angoks, éramos unidos, estava na altura de criar uma cisão dentro da nossa raça. Foi então que nasceram as duas castas que tanto nos diferenciam: os querubs e os sarubs, sendo os primeiros superiores aos segundos. Os querubs pertenciam à guarda real de Heavar, nossa capital, a sacra Cidade de Ouro, e executavam as mais altas magistraturas e assuntos públicos enquanto os sarubs eram obrigados a árduos trabalhos civis e habitualmente eram os peões nos exércitos. Sim, porque nós tivemos um exército! Nós precisamos de nos defender mais tarde, pois a traição apareceria ao virar da esquina… Godrol, amante de todas as coisas vivas, tinha, não obstante, um ser a que dava demasiado afecto: Lüferüs. Um sarub obstinado, líder da guarda real de Heavar, conselheiro pessoal de nosso Pai. Lüferüs, em todos os consílios que tínhamos, mantinha habitualmente a opinião de que os humanos mereciam ser castigados pois faltavam constantemente ao respeito e autoridade de Godrol. Mas o Criador foi de opinião diferente… Dizem que foi por isso que Lüferüs foi expulso da Cidade de Ouro e mandado para a terrível Península Negra, para lá do Grande Istmo. Diz a lenda que o sarub, juntamente com um grupo de outros angoks, criou uma rebelião contra o trono de Heavar quando ordenou que o Império Amarelo, povo humano que não respeitava Godrol, fosse aniquilado.

Quando Lüferüs e o seu séquito de nojentos traidores foi extraditado para a Península Negra, o horroroso sarub canalizou todo o Mal do mondo e criou uma nova raça, os demoks. O oposto por excelência dos angoks. Seres de uma fealdade enorme, com um buraco no lugar do coração, repletos de ódio, opulência e constante desejo de conflito. Foi então que Lüferüs teve a sua vingança. Juntamente com o exército dos seus irmãos de asco tentou por várias vezes tomar Heavar mas nunca teve sucesso na sua eterna demanda. Nem nunca nós, angoks, conseguimos ripostar pois nunca nos foi possível conquistar a cidade que a terrível besta criara, Hellar. Mas no ano 900 do Primeiro Millenium, na temível Batalha das Deidades, em que cem mil angoks defrontaram um número igual de demoks, tudo isto terminou. Ao ver que os exércitos iriam acabar por se aniquilar mutuamente, Godrol e Lüferüs criaram então um acordo entre os dois povos. Chamaram-lhe o Pacto e nele visava que nenhum angok poderia invadir Hellar nem nenhum demok poderia fazer o mesmo a Heavar. A paz instalou-se então em todo o Pearlgream.

Pouco mais tarde criou-se uma quarta raça, quando um demok apaixonado por uma angok copulou com a mesma. Dizia-se nos cânticos arcanos que “nunca as duas raças podem se misturar ou um mal maior ao mundo dará lugar”. Foi então que nasceu o primeiro snapois, o resultado do cruzamento das duas linhagens distintas. E, tal como os angoks e os demoks, era um ser imortal. Morana era o seu nome, uma fêmea bela repleta de espírito de aventura. Mas os pais estavam cientes de que se algum dia Lüferüs ou Godrol descobrissem que os sangues tinham sido mesclados, o Pacto seria quebrado. Desejando paz entre os dois povos, os pais de Morana tiveram outro filho e mandaram o casal para as densas florestas de Jinglbrëcht, onde seria quase impossível serem descobertos. Aí os dois irmãos acasalaram e muitas gerações de snapois lhes seguiram.

Godrol e Lüferüs continuaram a reunir em concílios onde debateram assuntos como aliados e ambos concordaram que como seres regentes dos seus povos deveriam não ser apenas imortais quanto à idade mas também caso fossem feridos em combate. Sim, em combate, pois os lascivos demoks, a quem nós temos de obrigatoriamente corresponder como irmãos afastados, continuaram a tentar conquistar terras aos homens de Groth. Então criaram-se as Relíquias da Imortalidade. Ambos os divinos regentes acreditavam que de forma a enganar os seus povos para que estes nunca lhes tentarem roubar a sua relíquia, era importante que a sua energia fosse toda canalizada em objectos vulgares. Godrol optou por criar o Cálice do Destino e Lüferüs executou a Lança da Fortuna. Aquando da criação das duas relíquias, Godrol e Lüferüs executaram ainda uma terceira, a Gema da Paixão, que foi deixada aos seres humanos para que o bem-afortunado que a encontrasse nas Montanhas do Desvario, pudesse viver eternamente.

Terminou então o Primeiro Millenium. Agora Pearlgream deixou de ser o nome do nosso universo para agora se passar a chamar Mondo ad Imaginem. E o humano, sempre incauto, acredita que para lá da Península Negra onde está instalada a horripilante Hellar, se encontra um outro mundo. Um mundo de sonhos, o Mondo ad Utopium...

-Earbook deste excerto: https://www.youtube.com/watch?v=vSU4uR3UUAA

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